terça-feira, 11 de novembro de 2008

Hoje é o dia da minha morte.

hoje quero todas as bebidas embriagantes do mundo
todas as dores líquidas do mundo
quero embriagar minhas mágoas
todas as mágoas do mundo em um grande copo de cerveja,
quero anestesiar meu sorriso
destilar meus ódios e minha bílis
anestesiar aquele seu sorriso mecânico
quero as alegrias falsas e os prazeres sem identidades,
hoje e somente hoje tenho liberdade para amar,
e andar por aí
livre de tormentas
sem aquele zumbí
hoje não quero nenhuma filosofia
quero as alegrias dos sentidos
hoje os sentidos não enganam
quem engana os sentidos sou eu
hoje quero as gritarias
das igrejas pentecostais
as loucuras da religião insana
hoje permito-me tudo em dose cavalar
porque hoje é o dia da minha morte.
Quero as promessas de ressurreição,
para sentir até onde suporta meu paladar
quero o mais iracional dos beijos
e nenhuma certeza científica
pois estou farto
de pisar em espinhos,
de andar sobre algodão,
farto do calor do sol
e de nenhum calor humano,
quero uma bebida
que coagule
meu cérebro,
que estanque a dor,
quero uma garrafa
cheia do teu silêncio,
do teu desprezo
da tua insignificância
chega de luzes
quero um pouco de escuridão

nosso fim

Aquele garoto que era lindo
era lindo
todos gostavam dele
que tinha olhos verdes
verdes como o mar
aquele garoto que tinha o sorriso
que tinha a beleza
mais bela que tinha
aquele garoto que ensinei
a pilotar motocicleta
a andar de motocicleta
caiu, levantou, bateu a poeira
sorriu, procurei por ele
disseram que morreu,
uma árvore lhe caiu em cima,
uma ávore o matou
mas como pode
mas como pôde
uma árvore.
O garoto cresceu,
virou homem,
comprou boiada,
derrubou a árvore que o matou
fui ao cemitério,
cheiro de vela
rezei seu nome
acreditando que assim
pudesse ressurgir
não adianta lutar contra o destino
todos iremos
para o mesmo fim.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Cantico V

faço bolsas de saco de estopa
e visto-me delas
minha nudez não merece revista
não sou alguém que mereça atenção
não sobrevivo a um ataque de moscas

quando de madrugada os galos cantam
é para que eu não esqueça
da miséria que me rodeia

sou um sonâmbulo
que morre de insônia
de envelhecido
estranhas coisas
ocorrem em minhas entranhas,
nascem-me cabelos nos ouvidos
os músculos amolecem
as artérias se rompem
os dentes apodrecem
ainda em uma boca viva,
os cabelos caem
deixando à mostra uma cabeça horrenda
o ânus já não agüenta
a febre das fezes

não fumo maconha
não tomo cachaça
não uso cocaína
e nenhuma droga cara
leio a Bíblia
mereço morrer de morte abandonada
sou uma besta de bunda para a lua
para a sua.

Cântico IV

este poema
é uma piada
tudo o que faço
vale pouco
ou nada
tudo o que tenho
é uma filosofia
que não vale
um empenho
não vale nada.

as únicas flores que aprecio
são as de plástico
roubadas de cemitérios
adoro flores de catacumbas
aquelas de tumbas
desoladas sem nome
aquelas que não passam de monturos
de defuntos esquecidos
roubo flores dos ricos
e levo às tumbas pobres
sou o herói do cemitério

os mortos são os únicos
que merecem minha admiração

Cântico III

meu deus é uma caneca
meu amor é uma boneca
de plástico inflável
inflamável.
sou descrente
totalmente
não acredito nem em guerra
não creio em contos
não como carne de peixe
não palito os dentes
não penteio os cabelos
não sei se sou gente
talvez seja indigente.

não quero festa
nem de aniversário
nem no dia da morte
do meu adversário
não quero enterro enfeitado
quero tábua de caixão
na rua pela mão
levado carregado.

Não tenho motivo
para riso
não acredito em meu poema
não acredito em dilema
meu livro não é poema
meu livro é dilema
mataram o prefeito de Diadema

a árvore viro tábua
o rio virou areia
o filho virou poeira
a filha virou assombração
vivo ao relento
em terra desconhecida
onde o sol derrete
cérebros e pensamentos
lamentos.

Cântico II

não sei falar de amor
não vou falar de amor
nunca soube falar de amor
nunca fui amado.
tudo o que tenho é dor
tudo o que me sobrou foi dissabor.

Meu nordeste
não tem musica
meu leste não tem sol
meu sul
só tem vento frio.

Minha terra
não tem palmeiras
alias não tem arvore nenhuma
tem só plantação de soja
não sei comer soja
não sei pra que serve tanta soja
se o que quero é um pouquinho de feijão com arroz.

Minha terra
não é terra
não é minha
é latifúndio
meu país não é país,
meu povo não é povo
minha gente não tem dente
aqui ninguém sente
inspiração de poeta
quem não tem comida
não tem meta
sem nada na barriga
perde-se a reta
quem já teve meta.

Cântico dos Cânticos

tem uma asa de barata
voando em minha cozinha,
um bando de velhos
num calhambeque velho
falando besteiras na tv.

nenhuma comida na panela
o arroz está caro
o feijão está um veneno
a carne de vaca
é vendida pelo preço da carne do boi
e a carne do boi é vendida a preço de ouro.

somente batatas me restam
batatas podres.